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Foto do escritorThaís Dionizio

Energia limpa, mas até onde?

Famílias abandonam suas casas por causa dos impactos ambientais e sociais da energia eólica


Diminuição da biodiversidade, impactos na saúde dos moradores e degradação das moradias são alguns dos impactos da energia eólica | Imagem: Reprodução Brasil de Fato


O debate sobre os impactos da produção de diferentes matrizes energéticas não é novidade, mas, em Pernambuco, a discussão sobre energia eólica se intensificou nos últimos anos. Comunidades locais e autoridades interessadas pela temática apresentam resistência à instalação de novos parques eólicos na região. Nos últimos meses moradores declararam seus posicionamentos em assembleias e manifestações. Eles alegam que a proximidade dos parques das moradias prejudicam a produção rural, o ecossistema e a qualidade de vida das pessoas.


Um dos marcos mais recentes desse conflito de interesses aconteceu no dia 10 de abril deste ano, quando moradores de comunidades rurais do município de Caetés, em Pernambuco, ocuparam uma reunião do Grupo de Trabalho (GT) de Licenciamento de Renováveis que acontecia na sede da Secretaria de Desenvolvimento Econômico. Os manifestantes pediam a suspensão dos processos de licenciamento ambiental dos projetos de energia eólica, indenização e medidas de reparação para as famílias impactadas pela produção de energia “limpa”. Além disso, eles reivindicavam o direito de participação nas decisões do grupo.



Pernambuco é palco de disputa sobre energia eólica


No estado de Pernambuco atualmente existem mais de 40 fazendas de produção eólica e um investimento crescente nos últimos anos para instalação de novos parques, contudo, as denúncias de violações dos direitos das comunidades próximas a essas fazendas trouxeram a atenção para a regulamentação do setor. A gestão da governadora Raquel Lyra (PSDB), iniciou, por meio de um decreto, a implementação de procedimentos que devem ser adotados pelas empresas que pretendem instalar novos parques na região.


O decreto emitido em 28 de novembro de 2023 pelo Governo de Pernambuco, prevê a criação do GT de Licenciamento de Renováveis que tem como objetivo estabelecer a normativa que as empresas de energia eólica devem seguir para instalação de novos parques. Apesar da iniciativa buscar a melhoria do setor, algumas questões preocupam as comunidades e seus representantes, como o prazo curto para definição das normas. Inicialmente, o GT previa a conclusão para estabelecer as normativas dentro de seis meses, enquanto outras organizações como o Nordeste Potência, grupo formado por quatro organizações civis com o objetivo de promover a recuperação econômica do nordeste, levou dois anos para a produção de um manual sobre o tema.


Outro ponto de atenção é a ausência de participação ativa da comunidade nas decisões do GT. Entre os 20 assentos declarados no decreto e que possuem direito de voto, apenas uma vaga é destinada para representantes das comunidades que é ocupada pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape).


Apesar de não terem poder de voto, a secretária executiva da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Karla Godoy, contou em entrevista ao Marco Zero que outros participantes foram convidados a participar das reuniões do GT e são considerados “representantes da sociedade civil”, mas não possuem poder de voto. Os participantes por sua vez não concordam com a nomeação e acreditam na importância de convidar povos tradicionais para a discussão, como conta Luiza Cavalcante da Associação Sítio Ágatha em entrevista ao Marco Zero.



Violações socioambientais: quais as reivindicações das comunidades?


O GT de Licenciamento de Renováveis tem como objetivo estabelecer normas que melhorem a qualidade de vida das comunidades próximas de parques eólicos e evitem que violações ocorram em novas instalações.


Entre as principais reivindicações dos moradores estão os ruídos emitidos pelas aerotorres e os impactos estruturais causados nas residências, o motivo seria a proximidade das instalações com as comunidades. Atualmente, para obter o licenciamento, os estados devem seguir a norma do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) de 2014 que determina um distanciamento de 400 metros entre torres e casas, contudo em muitos casos a distância é ainda menor do que a aceita pela lei.


O debate sobre a distância de instalação aponta para o estabelecimento do novo limite mínimo em Pernambuco sendo de 500 metros. Contudo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) defende que estabelecer uma distância mínima não resolverá o embate. Em nota, a organização afirma que a distância pode variar: "É preciso um estudo prévio de cada terreno. O ideal é definir essa distância caso a caso por conta das peculiaridades de cada terreno e região, além de ser um cálculo multifatorial de direção e velocidade dos ventos, topografia, características da vegetação, rugosidade do solo, incidência solar. Para algumas regiões essa distância pode ser inferior a 500 metros e, para outras, superior”.


Em contrapartida, estudiosos defendem que os impactos em distâncias inferiores a 10km podem prejudicar danos à saúde e a estrutura das pessoas que convivem com as estruturas. A professora e pesquisadora da Universidade de Pernambuco (UPE), Wanessa da Silva, apresentou em Audiência Pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente em Pernambuco, em dezembro de 2023, os resultados preliminares sobre sua pesquisa dos impactos da instalação de torres eólicas.


No estudo, realizado no município de Caetés, ela observa que 70% população próxima às instalações fazem uso de medicamentos para dormir, “Tem casas a 100 metros de distância das torres, quando há estudos mostrando que os infrassons causam danos em um raio de 15 quilômetros”, disse. “Há países que estabelecem distância mínima de 1,5 quilômetro, mas no Brasil não há nenhuma legislação para normatizar a questão”, ela destaca.


Durante a audiência foram registrados também depoimentos de moradores da região, como Simão Salgado, da comunidade Sítio Pau-Ferro, em Caetés, que foi obrigado a se mudar do terreno em que vivia devido à instalação de torres eólicas à 200 metros da sua casa. “Minha esposa ficou agressiva, não se alimentava e não dormia. Aí eu não tive escolha: tive que abandonar a propriedade. Se nós tivéssemos assinado o contrato e viéssemos recebendo algum recurso, não poderia estar reclamando, mas fomos apenas afetados com o empreendimento, que está trazendo grandes danos para a população, o meio ambiente e os animais”, ele conta.



Cenário da energia eólica no país


Segundo a ABEEólica, existem 1.039 parques eólicos no Brasil, são mais de 11.000 torres distribuídas em 12 estados, 70% dessas instalações estão concentradas no nordeste devido a viabilidade ambiental. Atualmente a energia eólica representa em torno de 14% de toda a energia gerada no país.


Considerada uma fonte de energia limpa e renovável, devido aos baixos impactos ambientais e emissão de carbono, a energia eólica se apresentou como uma produção alternativa e sustentável. Contudo, mesmo com a viabilidade tecnológica, os impactos ambientais e sociais ainda são preocupantes e precisam ser analisados a longo prazo.


Levantamentos realizados por plataformas de controle ambiental como a MapBiomas apontam que 4 mil hectares de vegetação da Caatinga foram desmatados em 2022 para instalação de infraestrutura para produção de energia eólica e solar.


Além de medidas como a criação do Grupo de Trabalho de Licenciamento de Renováveis em Pernambuco, outras iniciativas podem ser destacadas como meio de disseminar conhecimento e incentivar a produção de energia consiente. O Nordeste Potência criou o documento Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável como forma de incentivar a produção de energia renovável que não viole os direitos socioambientais, o documento criado em conjunto com pessoas que vivenciaram essa realidade apresenta medidas e indicações reais sobre o tema.


A Associação Brasileira de Energia Eólica, também produziu um Guia de Boas Práticas Socioambientais para o Setor Eólico em conjunto com 17 empresas a fim de incentivar um empreendedorismo eólico consciente e transparente de acordo com as necessidades da sociedade e respeito ao meio-ambiente.


Redatora: Suianne Souza


Referências

















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